segunda-feira, 6 de abril de 2009

Unidade corpo e mente

"...O contorno de meu corpo é uma fronteira que as relações de espaço ordinárias não transpõem. Isso ocorre porque suas partes se relacionam umas às outras de uma maneira original: elas não estão desdobradas umas ao lado das outras, mas envolvidas umas nas outras..." (Merleau-Ponty, Maurice – Fenomenologia da percepção).

Tomando como fio condutor estas palavras, vamos tentar aqui uma breve reflexão a respeito do que venha a ser a idéia de um corpo próprio, de como é possível um trabalho que devolva ao indivíduo os seus limites e, assim, de como se constitui a sua identidade. Vamos, de início, reler com mais atenção as palavras de Merleau-Ponty.
Primeiramente, o corpo é a fronteira do sujeito com todas as outras coisas existentes no seu mundo. Embora pareça muito claro, a confusão deste limite é o lugar das patologias psíquicas, nem sempre agudas a ponto de podermos reconhecê-las prontamente. Mas, o que importa aqui é o fato de que o corpo tem um limite próprio, e que a maneira como ele está constituido não nos permite uma fragmentação ou uma justaposição de suas partes.
Quando recorremos a Merleau-Ponty, entendemos que o corpo funciona como um sistema único, pois suas partes estão envolvidas umas nas outras. Quando, por exemplo, tocamos uma mão na outra, entrelaçando os dedos, não podemos responder qual é a mão que está sentindo a outra, ou se a direita sente primeiro que a esquerda ou ao contrário. Elas, neste caso, representam como o corpo percebe e como pensa as suas percepções. Os olhos vêm já vendo com o pensamento. E se é verdade que a visão pode ser agradável ou não, que pode despertar alguma memória ou não, então também é verdade que há uma simultaneidade entre a percepção do objeto e o pensamento sobre ele. É como se a mão direita fosse a percepção e a esquerda o pensamento.
Este exemplo vale também para as relações que o indivíduo estabelece com o mundo. Vamos apenas desdobrar um pouco mais esta idéia. O gosto está na maçã ou na língua? Pois bem, para todas as experiências que o indivíduo vive é esta mesma estrutura que está presente. Não há gosto da maça sem a maçã, sem a língua, sem os receptores cerebrais para esta informação e, finalmente, sem a consciência, que se sabe sabendo o sabor. Só com todos esses elementos é possível propriamente saborear. Sendo assim, a idéia do gosto da maçã é tão importante quanto a lingua e quanto a própria maçã.
Quando entendemos esta estrutura, fica mais fácil vermos que não há uma hierarquia de importância; a importância de cada um está entrelaçada na importância do outro, assim como as mãos que se unem e entrelaçam seus dedos.
Vale citar um poema de Drumond para termos um apoio poético a esta teoria:

Verdade

A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
(Carlos Drummont de Andrade, Corpo, segunda edição, Ed. Record, 1984)

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